terça-feira, 30 de agosto de 2011

O DOM DO BULLYING

              

A cena é simples e comum. Amigos na escola implicando um com os outros. Então surge o aluno mais baixo, e o que era uma implicância mútua, se torna focada. Não há brigas, não há crueldade, somente a implicância que proporciona aos líderes um grande número de fãs e risadas. O pequeno detalhe dessa cena? Eu sou o baixinho zoado.
           
            Quando nos tornamos o motivo da brincadeira, podemos tomar duas atitudes: rir de nós mesmos e aceitar que somos diferentes ou se enclausurar no próprio mundo afim de que os outros não possam intervir. Eu fiz a segunda escolha. Não conseguia me ver como diferente, estranho, imperfeito. Não aceitei a ideia de rir da minha própria cara; não via graça em ser colocado em latas de lixo simplesmente por caber nelas; não achava interessante ser jogado dentro de outras salas só por ser o único que conseguiam segurar. Não conseguia exprimir qualquer outro sentimento que não fosse a raiva quando era jogado e trancado dentro da sala de material esportivo ficando lá até o professor voltar para guardar as bolas.  

            Por isso por tantas vezes preferimos a reclusão, o mundo próprio e, assim, nos incluímos nos grupos marginalizados pela classe, como os gordinhos, os nerds, os baixinhos etc.

              Já ouviram falar que todo baixinho é invocado ?? Pois entendam esse processo como uma defesa social. Aprendi a afrontar aqueles que me cercavam com o único intuito de marcar presença, de mostrar que estando ali deveria ser respeitado. Digo isso porque quando me tornei adolescente cansei de ser o alvo e resolvi brigar com todo aquele que me provocava. Em pouco tempo eu tinha mais inimigos no colégio do que eu seria capaz de contar. Apanhei tantas vezes nessas brigas na saída da escola que o orgulho, o grande motivo delas, acabava em frangalhos, entre um chute e um tapa na cara. E o culpado de tudo isso morava dentro de mim. Eu precisava sentir aquele gosto de sangue, aquela dor lancinante, aquela mágoa no coração, pois isso me tornava um deles. Ali, brigando, eu mostrava que não importava, me tornava um deles e batia como um deles, sangrava e sentia a mesma dor como todos eles. Nessas brigas eu virava o foco da atenção. Os olhares ficavam comigo e o marginalizado se tornava o ápice.

            Com o tempo a mente cresce e a violência fica perigosa. Descobri que já não podia desafiar, pois o resultado seria muito pior. Lembro-me da última briga e o que antes se resumia em socos e pontapés, agora envolvia pedras. A raiva entupida em minhas artérias ao longo do tempo me tornou insano. Desejei a morte de muitos deles por bastante tempo.

            Embora a briga cessasse, ficou claro que o estrago mental estava feito. Tornei-me um cara explosivo com tudo e revoltado com meus pais. Afinal, minha mãe dava aula na minha escola e nunca se pronunciou sobre os acontecimentos. Hoje, mais velho, sei que ela nunca soube das brigas e suas motivações, mas na época eu não me conformava com o fato de não ser  defendido por eles. Porém, que culpa possuem quando eu, o único interessado, jamais os procurei para relatar tais abusos?



           
            Perdi então o apego, o carinho, a vontade de estar em casa. Meu quarto virou um refúgio, assim como o esporte. Evitava conversas, brincadeiras, convivência familiar... qualquer comentário era respondido com agressão verbal. Eu era um jovem problemático. Na tentativa de me recuperar, minha mãe me batia pelas minhas falhas. Apanhei muito e admito que todas as vezes foi merecido, no entanto, minha mãe nunca soube os motivos pelos quais eu cometia esses erros. Durante esses anos percebo que distanciei meus pais de mim. Evitei o amor que eles queriam me dar. Não conversamos como eles desejavam.

            Nunca fui mal aluno, ao contrário. Notas boas sempre, esse era o lema lá em casa. “Se você não faz outra coisa na vida a não ser estudar, melhor tirar notas boas senão terá que se entender com sua mãe”, dizia meu pai quando ficava preocupado com nosso estudo. Então eu estudava, assim evitava problemas e tudo parecia estar bem.

            Ainda não sei como não caí nas drogas, pois tive todas as oportunidades para isso. Mas a força do discurso e o ótimo exemplo em casa foram válidos. Não desejei me incluir no grupo dessa forma.

            Ganhei em casa o apelido de o Bravo. Meus pais se chateavam com a forma que eu transformava tudo em briga, na forma como eu encarava qualquer coisa como discussão, na maneira grossa e rude que lidava com qualquer objeção feita aos meus pedidos.


           
Percebem no que me transformei, prezado leitor? Vi amigos gordinhos se afundarem ainda mais na comida por não saberem como lidar com a rejeição. Vi nerds tentarem de tudo para serem aceitos, fazendo trabalhos e provas para outros em troca de um pouco mais de participação nos grupos de cobiçados alunos. Presenciei a transformação de muitos deles. A forma como cada um se aceitou ... a maneira como cada família lidou ... a luta que cada um travou.

            Eu afoguei meu passado na marra. Fiz faculdade e ignorei os fatos da minha infância e adolescência. Formei e vim trabalhar no Rio fazendo o que gosto. Aos poucos retomei a rédea do futuro. Melhorei com a enorme paciência da minha esposa, que soube enxergar atrás da carcaça cascuda, o cara que morava lá dentro. Hoje tenho o enorme prazer de receber meus pais e irmãos em minha casa. AMO-OS demais e meu carinho e respeito por todos eles é enorme. Jamais discutimos seriamente sobre tudo o que aconteceu no passado, somente alguns comentários esporadicamente. Não posso culpá-los sequer pela omissão, afinal, o grande omisso fui eu.

            Agora casado com essa mulher linda e desejando ter filhos, pergunto-me todos os dias: como vou educar meus filhos? Como ensiná-los o respeito ao diferente? O que é o diferente?
           
            Se vc passa por esse tipo de abuso, fica a minha única dica: converse com seus pais. Receba o amor deles ... e talvez sua história seja diferente da minha.


           

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Família Mineira em dia dos Pais


Já tem duas semanas que tento terminar esse texto, porém as deliciosas sensações são muito mais complicadas de serem explicadas do que eu imaginava. Ainda me impressiono com a dificuldade que temos em relatar algo que simplesmente fez nosso coração bater diferente.

            O texto que desejo deixar como memória minha, para meus filhos, netos  ... e para quem quiser, é o relato único e simples do que é ter uma família com pessoas diferentes ... e respeitá-las e amá-las da forma como são.

            Meus irmãos e eu decidimos passar o dia dos pais na companhia dele e da minha mãe em Cabo Frio. Saímos na sexta após o serviço. No caminho, ainda no carro ... uma discussão gastronômica, sobre preferências e costumes. Sempre discutimos calorosamente, o que vira uma loucura dentro de um carro.
           
            Chegamos em Cabo Frio e meu coração já se encheu de carinho, nesse momento a discussão já havia sido esquecida. Um abraço gostoso no pai ... um beijo carinhoso da mãe e uma mesa de lanche farta a nossa espera. Sentamos todos na mesa e a conversa mineira começou. Aflitos para provar todos os quitutes feitos pelo meu pai fomos devorando tudo enquanto curtíamos a conversa. Nenhum papo muito sério ... somente o trivial, o leve !! Meu pai se dirigiu a nossa vitrola (essa mesma, aquela de muito tempo atrás) e colocou um vinil gostoso, uma música bem lounge. Eu poderia ficar o resto da vida ali ... contemplando esse momento.  Os risos provocados pelo meu irmão Danilo e sua extrema capacidade de fazer graça de qualquer assunto mantinham todos entretidos. Minha mãe sorria satisfeita com a presença de todos.

            Ansiosos para abrir os presentes que compramos para nosso pai, fomos entregando um a um. Danilo e eu compramos algumas garrafas de vinho que acreditamos agradar mais ao paladar do Sr Claudinho. Calmamente todos os vinhos foram abertos e admirados. Cada um deles recebia um comentário, ou sobre a uva, ou sobre a região. O Rômulo entregou um álbum com uma foto nossa agarrando o pai na cozinha da casa em Cabo Frio, uma das melhores fotos em família, excelente escolha a dele. Pouco tempo depois nosso pai já estava nos ensinando algo. Não sei bem o que acontece, mas aprendi a escutar mais o meu pai agora. Antes eu estava sempre muito mais preocupado em discutir com ele ... em dizer o que EU achava. Agora evito falar, escutá-lo tem me feito muito melhor e consigo sempre aproveitar algo positivo de sua experiência. Como teria sido muito mais fácil minha vida em São Luis se o tivesse escutado e compreendido mais. Ele erra as vezes, embora jamais admita, porém nessas horas eu não preciso brigar ... basta um sorriso e o silêncio. O julgamento será feito por mim ... depois de refletir um pouco sobre o assunto.

            A noite correu assim ... levinha ... solta !! Em pouco tempo estávamos todos prontos para ir dormir. Minha esposa que decidiu passar esse fim de semana conosco me abraçou e dormimos juntos.

            Levantamos no sábado animados. Café da manhã caprichado a nossa espera e meu pai já tinha saído com meu irmão para comprar o peixe que iria fazer no almoço. Na cozinha nossa empregada, que já está na família há tanto tempo que não consigo imaginar nossa casa sem ela por perto. A Sandra é assim ... aquele tipo de mulher que consegue fazer tudo ao mesmo tempo. Dá conta da casa ... da comida ... dos filhos dela ... de nós ... e ainda sabe o que agrada a cada um, incluindo nossas esposas. Ela está sempre quietinha, um tantinho tímida, mas acreditem ela sabe onde está tudo lá em casa. Dei uma braço gostoso nela, um beijo e já fui procurar o que teríamos no café da manhã. Um bom pedaço de bolo de nozes com maçã ... PERFEITO !!
           
            Após todo mundo tomar o devido café, começou a correria para ir para praia. Protetores solares, blusas, chapéus, toalhas e todos prontos para curtir o dia maravilhoso de sol que estava fazendo. Rumamos todos para um cantinho da praia sugerido por meu pai. Cadeiras abertas ... sombrinhas posicionadas e um visual lindo da praia. A água clara linda ... e aquela areia branca refletindo o sol que resolveu brilhar.
           
            Como a água estava gelada eu e meu irmão Danilo resolvemos jogar um pouco de frescobol para criar coragem e entrar na água. Suamos um pouco, afinal não somos profissionais no esporte e passamos a maior parte do tempo buscando a bolinha na areia. Já cansados fomos para o MAR. Então veio o choque ... não importa o quanto de exercício você faça, jamais será o suficiente para desejar entrar naquela água gelada de Cabo Frio. Mas como o mar estava lindo e as ondas nos chamando, encaramos o desafio e mergulhamos rápido, assim o corpo logo se acostumaria com o frio. Rômulo nos acompanhou nessa ida ao mar ... e mesmo reclamando enormemente resolveu se juntar e entrar na competição de “jacaré”. Para quem não sabe, esse é um esporte que se caracteriza por pegar ondas sem prancha ou qualquer outro objeto. Em nosso grupo ganha aquele que conseguir ir mais longe com a onda.
           
            Com o tempo nos tornamos profissionais nesse esporte. Adquirimos a capacidade de sermos levados pela onda até nossos corpos alcançarem o raso, onde a água toca nossos tornozelos. A grande diversão é que sabemos o quão bom somos ... mas nosso nível é muito parecido, pois passamos o nosso conhecimento uns para os outros e isso foi nos tornando exímios. O problema é que a competição fica muito apertada. Aí começa a brincadeira ... vale tudo para ganhar alguns metros no final !! Uma puxada na perna do irmão ... umas braçadas no fim da onda ... e algumas vezes até uma corridinha depois que acaba o embalo. Na verdade não ligamos para quem ganha ou perde. Cada um tem sua técnica aprimorada. Porém a diversão e a união dos irmãos é o que torna esses encontros inesquecíveis. Não há prazer maior do que descer uma grande onda, dividindo espaço com meus dois irmãos e vê-los algum tempo depois sorrindo com a vitória ou derrota de alguém.

            Na barraca nossa mãe já preocupada com o sol e a falta do protetor solar, pede então que passemos para que o sol não castigue nossa pele. Ficamos então conversando. Minha mãe então perguntou seriamente. “Queridos filhos, seu pai e eu estamos pensando em devolver a casa de Cabo Frio e queremos saber a opinião de vocês sobre esse fato.”. Percebam a seriedade do ato. Meus pais estavam conversando conosco para saber que futuro daria a casa de Cabo Frio. Ele não queria tomar essa decisão sozinho, queria dividir com a família.  Na hora eu respondi que meu desejo era manter a casa ... afinal ela proporciona a união de nossa família ... os encontros e as comemorações durante o ano. Meus irmãos falaram ... surgiram idéias, porém nenhuma delas era fortemente defendida. Precisávamos pensar no assunto.

            Nesse momento comecei a pensar em tudo o que somos e o que construímos. Poucas são as famílias que conheço que podem desfrutar do prazer da companhia de todos os integrantes. Menos ainda são aquelas que com todos os familiares juntos conseguem se entender sem brigar. Olhar meus pais e perceber tudo o que eles nos ensinaram com relação ao respeito e a moralidade foi extremamente importante para elucidar minha mente quanto a decisão sobre a casa de Cabo Frio. Não importa o lugar ... não importa a casa ... não importa nem mesmo o tamanho. Nada de palpável poderá indicar a união de nossa família. Não será uma casa no campo, ou na praia. Somos muito maiores do que isso. Descobrimos que o prazer de estar próximo um do outro é tão valioso que somente para aqueles que já tiveram o prazer de desfrutar dessa sensação pode entender a força que juntos temos. Sim temos nossas diferenças !! Sim, algumas vezes brigamos !! Porém não haverá briga ou discussão no mundo que consiga afastar o amor que temos dentro de casa.  Portanto não ligo se devolverem a casa ... ou se decidirem morar num sitío num condomínio em Juiz de Fora. Nós estaremos sempre por perto, mostrando afetivamente o carinho que temos uns pelos outros e que nossos pais nos ensinaram a admirar.
           
            Estar em casa é implicar com os irmãos, escutar a música do pai e cantar com ele, brincar com a mãe e rir das loucuras dela, comer e lembrar dos sabores da nossa infância, conversar, ouvir e discordar ... um desacordo que mesmo intenso não diminui o amor que temos por aquele que discordamos. Seguindo o que sempre escutamos em casa: “Vocês podem discutir qualquer coisa, mas jamais poderão brigar! Aprendam a respeitar a opinião do outro!”

           
            Aos meus pais só posso deixar um enorme agradecimento, por me lembrar da preciosidade que é ter uma família, da força que essa família tem junta e por me proporcionar um fim de semana inesquecível.  Espero comemorar muitas outras datas como essa ... e que em todas elas a força de nossa família se faça presente.