terça-feira, 3 de setembro de 2013

UM ANO SEM ...



Esse fim de semana eu fui para Cabo Frio com a família da minha esposa. Ficamos todos na casa que meus pais alugam lá. Uma casa gostosa e que reflete bem o espírito de nossa união. Lá meu pai tem uma estante com alguns bons livros e entre eles um chamou a atenção da minha sogra. Um livro de culinária que tinha uma dedicatória do meu pai para mim. Sorridente ela veio me mostrar o livro. Li e sem entender bem o motivo liguei para meu velho para saber o porquê daquela dedicatória. 

Estranhamente escutei a explicação calma, porém chocante que meu pai me forneceu. “Filho eu já deixei dedicatórias em vários desses livros, pois quando eu morrer eu não quero que disputem os livros.” O meu velho já estava planejando a sua morte e em seu planejamento me mostrou o que estava fazendo. 

Conversei um pouco com ele e sem transparecer minha emoção, desliguei o telefone e corri para a estante, tentando descobrir quais outros presentes ele deixara ali. Minha mão correu no livro de culinária que minha vó (Mãe de meu pai) fez com a ajuda de minha tia Valéria. Na capa o sorriso gostoso daquela velha que tanto admirei. Dentro uma dedicatória ... e também para mim. Respirei fundo e li: “Ao Wagner, tão complicado quanto qualquer “Monteiro de Barros”, mas um doce em sua cozinha.”. Até nas dedicatórias o meu pai me sacaneia !! Sim eu sou um Monteiro de Barros como a minha vó era.

Desde esse momento a minha vó não deixou mais os meus pensamentos. Vieram à mente inúmeras emoções e momentos. Momentos deliciosos. Então me lembrei de Nietzsche que com muita sabedoria diz que temos que consumir nossas vidas. Gastá-la de todas as formas, para podermos morrer na hora certa, com a certeza de termos curtido tudo.

Acredito que eu tenha consumido todo o tempo que eu poderia com minha vó. Eu aproveitei cada momento que estava ao seu lado. Eu me deliciei com todas as suas guloseimas. Eu compartilhei suas peripécias. Eu ouvi suas histórias inúmeras vezes. Eu deitei em seu colo várias noites. Eu fui seu companheiro de pesca durante as férias. São tantas e maravilhosas lembranças que embora ela tenha partido ano passado, eu ainda sinto o seu cheiro, eu ainda rio do seu olhar de menina ao fazer bagunça na cozinha e meu coração ainda palpita com a ideia de comer um doce feito por ela. 

Ontem eu não me recordava da data de falecimento da vó. Não gosto de guardar essas datas. Prefiro comemorar as alegres. Mas ontem por uma estranha coincidência eu resolvi ligar para o meu pai e agradecê-lo pela dedicatória no livro de sua mãe. Ele sorriu e disse que achava muito bonito eu liga-lo para agradecê-lo justamente no aniversário de um ano da morte dela. Não acredito muito nas coincidências da vida. Prefiro crer que de alguma forma a energia de minha vó se comunicou comigo. Foi ela que me abriu os olhos para o tempo e assim me mostrou que meus pais já são avós e que muito em breve terei que lidar com a perda deles também. 

Portanto preciso consumir a vivência dos meus pais. Preciso curtir todos os momentos ao lado deles. Quero que meus filhos tenham as mesmas lembranças incríveis que adquiri com meus avós. Desejo que meus pais possam partir com a certeza de terem consumado suas vidas e assim de terem deixado como recordação todo o amor que depositaram em nós. 

Fico imaginando o tempo perdido por aqueles que de alguma forma guardam mágoas, tristezas e angústias pelos pais. Como será a vida dessas pessoas após a morte de seus genitores? Quão arrependidos ficarão por não terem aproveitado mais? Como deverá ficar o coração daqueles que não perdoaram? 

Espero que todos possamos consumir com sabedoria nossas vidas ... para que nosso legado não seja só genético, mas repleto de bons exemplos e momentos.

2 comentários:

  1. Me emocionei muito ao ler a sua linda homenagem à mamãe. Muito lindo mesmo.
    Beijos
    Tia Heloisa

    ResponderExcluir
  2. Amor,

    Você sempre me emociona com os seus textos.
    Te amo!!!

    ResponderExcluir