A cena é simples e comum. Amigos na escola implicando um com os outros. Então surge o aluno mais baixo, e o que era uma implicância mútua, se torna focada. Não há brigas, não há crueldade, somente a implicância que proporciona aos líderes um grande número de fãs e risadas. O pequeno detalhe dessa cena? Eu sou o baixinho zoado.
Quando nos tornamos o motivo da brincadeira, podemos tomar duas atitudes: rir de nós mesmos e aceitar que somos diferentes ou se enclausurar no próprio mundo afim de que os outros não possam intervir. Eu fiz a segunda escolha. Não conseguia me ver como diferente, estranho, imperfeito. Não aceitei a ideia de rir da minha própria cara; não via graça em ser colocado em latas de lixo simplesmente por caber nelas; não achava interessante ser jogado dentro de outras salas só por ser o único que conseguiam segurar. Não conseguia exprimir qualquer outro sentimento que não fosse a raiva quando era jogado e trancado dentro da sala de material esportivo ficando lá até o professor voltar para guardar as bolas.
Por isso por tantas vezes preferimos a reclusão, o mundo próprio e, assim, nos incluímos nos grupos marginalizados pela classe, como os gordinhos, os nerds, os baixinhos etc.
Já ouviram falar que todo baixinho é invocado ?? Pois entendam esse processo como uma defesa social. Aprendi a afrontar aqueles que me cercavam com o único intuito de marcar presença, de mostrar que estando ali deveria ser respeitado. Digo isso porque quando me tornei adolescente cansei de ser o alvo e resolvi brigar com todo aquele que me provocava. Em pouco tempo eu tinha mais inimigos no colégio do que eu seria capaz de contar. Apanhei tantas vezes nessas brigas na saída da escola que o orgulho, o grande motivo delas, acabava em frangalhos, entre um chute e um tapa na cara. E o culpado de tudo isso morava dentro de mim. Eu precisava sentir aquele gosto de sangue, aquela dor lancinante, aquela mágoa no coração, pois isso me tornava um deles. Ali, brigando, eu mostrava que não importava, me tornava um deles e batia como um deles, sangrava e sentia a mesma dor como todos eles. Nessas brigas eu virava o foco da atenção. Os olhares ficavam comigo e o marginalizado se tornava o ápice.
Com o tempo a mente cresce e a violência fica perigosa. Descobri que já não podia desafiar, pois o resultado seria muito pior. Lembro-me da última briga e o que antes se resumia em socos e pontapés, agora envolvia pedras. A raiva entupida em minhas artérias ao longo do tempo me tornou insano. Desejei a morte de muitos deles por bastante tempo.
Embora a briga cessasse, ficou claro que o estrago mental estava feito. Tornei-me um cara explosivo com tudo e revoltado com meus pais. Afinal, minha mãe dava aula na minha escola e nunca se pronunciou sobre os acontecimentos. Hoje, mais velho, sei que ela nunca soube das brigas e suas motivações, mas na época eu não me conformava com o fato de não ser defendido por eles. Porém, que culpa possuem quando eu, o único interessado, jamais os procurei para relatar tais abusos?
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Perdi então o apego, o carinho, a vontade de estar em casa. Meu quarto virou um refúgio, assim como o esporte. Evitava conversas, brincadeiras, convivência familiar... qualquer comentário era respondido com agressão verbal. Eu era um jovem problemático. Na tentativa de me recuperar, minha mãe me batia pelas minhas falhas. Apanhei muito e admito que todas as vezes foi merecido, no entanto, minha mãe nunca soube os motivos pelos quais eu cometia esses erros. Durante esses anos percebo que distanciei meus pais de mim. Evitei o amor que eles queriam me dar. Não conversamos como eles desejavam.
Nunca fui mal aluno, ao contrário. Notas boas sempre, esse era o lema lá em casa. “Se você não faz outra coisa na vida a não ser estudar, melhor tirar notas boas senão terá que se entender com sua mãe”, dizia meu pai quando ficava preocupado com nosso estudo. Então eu estudava, assim evitava problemas e tudo parecia estar bem.
Ainda não sei como não caí nas drogas, pois tive todas as oportunidades para isso. Mas a força do discurso e o ótimo exemplo em casa foram válidos. Não desejei me incluir no grupo dessa forma.
Ganhei em casa o apelido de o Bravo. Meus pais se chateavam com a forma que eu transformava tudo em briga, na forma como eu encarava qualquer coisa como discussão, na maneira grossa e rude que lidava com qualquer objeção feita aos meus pedidos.
Percebem no que me transformei, prezado leitor? Vi amigos gordinhos se afundarem ainda mais na comida por não saberem como lidar com a rejeição. Vi nerds tentarem de tudo para serem aceitos, fazendo trabalhos e provas para outros em troca de um pouco mais de participação nos grupos de cobiçados alunos. Presenciei a transformação de muitos deles. A forma como cada um se aceitou ... a maneira como cada família lidou ... a luta que cada um travou.
Eu afoguei meu passado na marra. Fiz faculdade e ignorei os fatos da minha infância e adolescência. Formei e vim trabalhar no Rio fazendo o que gosto. Aos poucos retomei a rédea do futuro. Melhorei com a enorme paciência da minha esposa, que soube enxergar atrás da carcaça cascuda, o cara que morava lá dentro. Hoje tenho o enorme prazer de receber meus pais e irmãos em minha casa. AMO-OS demais e meu carinho e respeito por todos eles é enorme. Jamais discutimos seriamente sobre tudo o que aconteceu no passado, somente alguns comentários esporadicamente. Não posso culpá-los sequer pela omissão, afinal, o grande omisso fui eu.
Agora casado com essa mulher linda e desejando ter filhos, pergunto-me todos os dias: como vou educar meus filhos? Como ensiná-los o respeito ao diferente? O que é o diferente?
Se vc passa por esse tipo de abuso, fica a minha única dica: converse com seus pais. Receba o amor deles ... e talvez sua história seja diferente da minha.