Quem mora no Rio, São Paulo ou
qualquer grande cidade brasileira já deve ter tido o enorme prazer de ficar
engarrafado. É praticamente um hobbie que nós, pessoas modernas das capitais,
adquirimos e viciamos. Para você que não sabe o prazer que esse momento pode
gerar em sua vida, vou descrevê-lo na intenção de dividir toda a ternura desse
momento.
É sexta-feira e você resolve sair com
sua esposa para visitar a sua família ou a dela localizados em outra cidade.
Volta do trabalho um pouco mais cedo de metrô e, depois de colocar todas as
inúmeras malas dela no carro, conforme o texto que eu mesmo publiquei aqui, você
se prepara para partir rumo à estrada. Nesse instante, começa a atuar a divina
coincidência. A sensação que tenho no momento em que deixo minha garagem é a de
que todas as famílias da cidade resolveram fazer o mesmo que eu e na mesma hora. Dessa forma, terei o enorme prazer da companhia praticamente por toda a viagem.
Basta sair de casa que minha sensação de previsibilidade se torna real. Todos os carros estão nas ruas. Eu abro um delicioso sorriso, olho com ternura para minha esposa e com os olhos cheios de lágrimas emocionadas eu a digo: “Amor ... nada poderia ser mais prazeroso do que passar horas trancado neste carro com você, com direito a um clima sensacional e motoristas educados me propiciando toda a atenção e o carinho de que preciso para chegar tranquilo em nosso destino.”
A harmonia desse momento começa com
a educação e a paciência de todos os motoristas ao meu redor. Sempre cavalheiros
(ou seriam cavaleiros?), cedem espaço, dão passagem, usam adequadamente a seta
do carro e só fazem uso da buzina quando extremamente necessário. As motos
seguem em filas indianas, cuidadosas e em velocidades baixas, respeitando o
fluxo dos carros e o silêncio que eles promovem. Há nesse meio aquele que
se destaca por toda sua doçura e sua meiguice: os motoristas de ônibus. Treinados
nas escolas inglesas de boas maneiras, esses gentis senhores são praticamente Ladies no trânsito. Atentos aos outros e
com extrema sutileza esses profissionais e seus sorrisos melhoram o humor de
qualquer pessoa que se envolva em um engarrafamento. Capazes de ouvir um
espirro a quilômetros só para dizer “saúde”, não há profissional mais
capacitado do que o motorista de ônibus no Rio de Janeiro. Melhor do que
encontrá-los no trânsito é ter o prazer do convívio deles durante sua
viagem, por isso as passagens são tão disputadas.
Outro bônus dos engarrafamentos é a
oportunidade de apreciar as delícias da culinária brasileira. Enquanto
aguardamos calmamente o deslocamento dos veículos à frente, temos o prazer de
degustar deliciosos quitutes vendidos no conforto da janela de seu automóvel.
Crianças e adolescentes bem vestidos e educados nos oferecem guloseimas típicas
de cada região por onde passamos e para beber água mineral Perrier
estupidamente gelada.
Claro que existem problemas no
engarrafamento, mas nem de longe eles chegam a incomodar. Quando um carro,
por algum infortúnio, é obrigado a parar, todos os demais veículos se mobilizam para que
ele possa se deslocar-se para o acostamento que se encontra sempre livre e, assim,
aguardar poucos minutos até que um atencioso reboque venha socorrer-lhe. Raríssimas são as vezes em que um
acidente ocorre, normalmente provocado por um motorista um pouco descuidado devido às
distrações que todo esse espetáculo promove. Quando isso acontece, arranca risos de
toda a plateia. Em pouco tempo tudo se resolve, os carros voltam para seus
lugares, o motorista descuidado pede desculpas a todos os envolvidos, recebe os
aplausos e volta para o interior aconchegante de seu carro.
No
fim de todo esse percurso, as famílias se divertiram, os motoristas relaxaram e
o tempo gasto na viagem passa tão rápido que nem percebemos; torcemos
para que na volta tudo se repita. Portanto se você ainda não pegou um
engarrafamento, está na hora de desfrutar esse momento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário