Esse fim de semana eu fui para
Cabo Frio com a família da minha esposa. Ficamos todos na casa que meus pais
alugam lá. Uma casa gostosa e que reflete bem o espírito de nossa união. Lá meu
pai tem uma estante com alguns bons livros e entre eles um chamou a atenção da
minha sogra. Um livro de culinária que tinha uma dedicatória do meu pai para
mim. Sorridente ela veio me mostrar o livro. Li e sem entender bem o motivo
liguei para meu velho para saber o porquê daquela dedicatória.
Estranhamente escutei a
explicação calma, porém chocante que meu pai me forneceu. “Filho eu já deixei
dedicatórias em vários desses livros, pois quando eu morrer eu não quero que
disputem os livros.” O meu velho já estava planejando a sua morte e em seu
planejamento me mostrou o que estava fazendo.
Conversei um pouco com ele e sem
transparecer minha emoção, desliguei o telefone e corri para a estante,
tentando descobrir quais outros presentes ele deixara ali. Minha mão correu no
livro de culinária que minha vó (Mãe de meu pai) fez com a ajuda de minha tia
Valéria. Na capa o sorriso gostoso daquela velha que tanto admirei. Dentro uma
dedicatória ... e também para mim. Respirei fundo e li: “Ao Wagner, tão
complicado quanto qualquer “Monteiro de Barros”, mas um doce em sua cozinha.”.
Até nas dedicatórias o meu pai me sacaneia !! Sim eu sou um Monteiro de Barros
como a minha vó era.
Desde esse momento a minha vó não
deixou mais os meus pensamentos. Vieram à mente inúmeras emoções e momentos.
Momentos deliciosos. Então me lembrei de Nietzsche que com muita sabedoria diz
que temos que consumir nossas vidas. Gastá-la de todas as formas, para podermos
morrer na hora certa, com a certeza de termos curtido tudo.
Acredito que eu tenha consumido
todo o tempo que eu poderia com minha vó. Eu aproveitei cada momento que estava
ao seu lado. Eu me deliciei com todas as suas guloseimas. Eu compartilhei suas
peripécias. Eu ouvi suas histórias inúmeras vezes. Eu deitei em seu colo várias
noites. Eu fui seu companheiro de pesca durante as férias. São tantas e
maravilhosas lembranças que embora ela tenha partido ano passado, eu ainda
sinto o seu cheiro, eu ainda rio do seu olhar de menina ao fazer bagunça na
cozinha e meu coração ainda palpita com a ideia de comer um doce feito por ela.
Ontem eu não me recordava da data
de falecimento da vó. Não gosto de guardar essas datas. Prefiro comemorar as
alegres. Mas ontem por uma estranha coincidência eu resolvi ligar para o meu
pai e agradecê-lo pela dedicatória no livro de sua mãe. Ele sorriu e disse que
achava muito bonito eu liga-lo para agradecê-lo justamente no aniversário de um
ano da morte dela. Não acredito muito nas coincidências da vida. Prefiro crer
que de alguma forma a energia de minha vó se comunicou comigo. Foi ela que me
abriu os olhos para o tempo e assim me mostrou que meus pais já são avós e que
muito em breve terei que lidar com a perda deles também.
Portanto preciso consumir a
vivência dos meus pais. Preciso curtir todos os momentos ao lado deles. Quero
que meus filhos tenham as mesmas lembranças incríveis que adquiri com meus
avós. Desejo que meus pais possam partir com a certeza de terem consumado suas
vidas e assim de terem deixado como recordação todo o amor que depositaram em
nós.
Fico imaginando o tempo perdido
por aqueles que de alguma forma guardam mágoas, tristezas e angústias pelos
pais. Como será a vida dessas pessoas após a morte de seus genitores? Quão
arrependidos ficarão por não terem aproveitado mais? Como deverá ficar o
coração daqueles que não perdoaram?
Espero que todos possamos
consumir com sabedoria nossas vidas ... para que nosso legado não seja só
genético, mas repleto de bons exemplos e momentos.
Me emocionei muito ao ler a sua linda homenagem à mamãe. Muito lindo mesmo.
ResponderExcluirBeijos
Tia Heloisa
Amor,
ResponderExcluirVocê sempre me emociona com os seus textos.
Te amo!!!