O fato é
simples ... o amigo morreu. Mas a dor por jamais ter lhe dito um muito obrigado
dói mais do que qualquer provação que já passei nessa vida.
Eu poderia contar toda a história, mas ela não
seria tão visceral. Quero fazer desse texto meu agradecimento e não dá para
fazer isso detalhando todo o processo.
Fui obrigado a realizar duas cirurgias de correção
óssea. Uma aos 19 anos e outra aos 21. A primeira na perna esquerda e a segunda na
perna direita. Precisei de 2 anos para tomar coragem e fazer a segunda perna.
Foram 8 meses de recuperação para cada perna e pelo menos 4 meses sem colocar o
pé no chão para cada uma. Eram placas parafusos e muita dor, além de viagens,
pois eu morava em Juiz de Fora e o médico que aceitou fazer a cirurgia era de
BH. Em todos os momentos um amigo !! Por muitas vezes precisou me carregar nos
braços, me levar nas aulas e estudar comigo. Em muitos momentos foi meu irmão,
em outros apenas o silêncio zeloso da escuta e compreensão. Mas em todos ele
foi o amigo que eu precisava ter para vencer essa batalha.
No início de todo o processo ele foi a certeza
cruel. Enquanto eu oscilava, relutante perante a dor descrita pelo médico e a
recuperação prometida, ele era puro e se
dizia certo sobre os benefícios. Ouvi por fim uma bronca. “ Vc ficou louco
porra? Como assim está com medo de fazer? Então vai ficar sem jogar vôlei para
o resto da vida? E o nosso futebol CARALEO? Não vou poder mais ganhar de vc? Vc
só pode estar brincando !! Larga a mão de ser mocinha e vai logo fazer essa cirurgia.
Quero vc novo rapidinho entendeu?”. E assim eu fui !!
Durante a recuperação ele foi o ombro e a força. Não
houve um só dia em que ele não tenha se disponibilizado para me ajudar com
estudos, com a locomoção e com as brincadeiras em meus momentos de dor.
Então surgiu a promessa. Eu precisei de um ano para
criar coragem de fazer a segunda perna. E a coragem veio motivada por uma
promessa. Ele era um apaixonado por futebol de salão. Decretou que só voltaria
a jogar bola quando eu me recuperasse da segunda perna. Eu avisei que levaria
tempo, afinal eu precisei de 10 meses para receber autorização médica para
correr e fazer força com a perna que tinha feito a cirurgia. Ele riu, olhou, me
deu um tapa nas costas e disse: “Então é melhor vc fazer logo essa cirurgia que
vou marcar uma pelada com nosso time para daqui a 1 ano.”
Exatamente 2 anos após ter feito a primeira
cirurgia eu entrei no mesmo centro médico para fazer a segunda. Agora eu iria
recuperar meu tempo perdido e poderia enfim voltar a praticar esportes no final
da recuperação.
O tempo passou e eu melhorei. Tudo correu como o esperado. Ao final de todo o
processo eu fui a Belo Horizonte para receber minha permissão para jogar bola e
correr. Ele se encarregou de marcar a pelada.
Eu viajei conversando com minha mãe e como seria se eu recebesse a alta.
Disse que pretendia agradecer ao amigo e ela me confessou que eu deveria mesmo
fazer algo, pois ele foi um amigo único em todo esse tempo.
A permissão foi dada. Eu tinha alta. Recebi por
mensagem de celular a notificação do horário e da data da nossa pelada. A festa
estava pronta. Dormi em BH ansioso, tenso, era como uma concentração para uma
final de campeonato que eu esperava havia muito tempo.
Na manhã uma ligação inesperada. Uma amiga me liga e
avisa que o meu fiel escudeiro havia se acidentado. Minha única pergunta foi
... ele está bem? E então o silêncio se fez. Não houve resposta. Ela não teve
coragem de me contar por celular. Larguei o telefone e implorei agilidade da
minha mãe. Queria voltar voando para Juiz de Fora. Foram as 3 horas de viagem
mais demoradas da minha vida. Silêncio fúnebre no carro e só o que a minha mãe
conseguia fazer era me olhar e me acalmar. Eu não chorava ... só estava tão
nervoso e preocupado que a visão ficava turva.
Corri para o hospital direto, onde me disseram que
estariam a mãe e o irmão do Gui. Eu cheguei e logo na entrada foi recebido por
um abraço de angústia, medo, aflição e desespero que mais me fez chorar em toda
vida. Seu irmão encostado eu meu peito chorava e nada mais precisava ser dito.
Meu mundo havia sumido sobre meus pés. Meu amigo havia recebido um tiro na
cabeça, disparado acidentalmente por um outro amigo. Era um encontro pequeno
entre colegas de turma. Ele chamou a time para a casa de um amigo que os pais
haviam viajado somente para acertar os detalhes do churrasco que fariam para
mim depois do futebol. Eram poucas pessoas e dentro de um quarto o anfitrião da
casa resolveu mostrar a arma do pai para outro amigo. A arma estava carregada e
disparou, acertou a cabeça dele que passava no corredor. Coincidência covarde e
cruel.
A dor que sinto é irreparável. Eu não pude olhar
nos olhos do meu amigo, abraçá-lo e agradecê-lo por todos os momentos de apoio.
Não há como não chorar ao perceber que recebi toda a força que precisava nos
momentos que mais precisei e nunca pude decretar minha enorme gratidão.
Eu não joguei nossa última pelada. Eu não o vi pela
última vez e pude com isso dizer-lhe obrigado. Amaldiçoei a existência divina.
Eu estava brigado com DEUS. Como poderia ele ter levado uma pessoa tão boa?
Minha mágoa era ainda maior porque me senti reduzido ao pó por perceber que
para o resto da minha vida eu teria que guardar o meu abraço de gratidão.
Durante algum tempo eu não fiz outra coisa senão evitar qualquer contato com a
fé.
Um dia então conversando com uma tia que possui um
nível de espiritualidade que jamais irei entender, simplesmente olhou nos meus
olhos e disse: “Vc já se perdoou pelo seu amigo?”. Essa frase dita assim de
forma tão dura me fez pensar. Eu precisava mesmo me perdoar. Chorei em seus
braços por longo tempo ... e ela não disse mais nada. Depois de secar minha
lágrimas aflitas e cheias de remorso ela simplesmente me pediu que orasse, seja
lá como fosse. Pediu que eu dirigisse a oração para ele e assim agradecesse por
tudo o que ele fez. Me disse que Deus é bom ... e que se o meu amigo foi levado
antes da hora pelo meu entendimento, era porque ele era um anjo e sua
existência aqui era para tornar as pessoas que conviveram com ele melhores.
Eu não sou um cara que possui uma religião. Então
não me prendo muito em formas ou orações. Nesse dia eu fui para um campo de
futebol da minha faculdade. Sentei na arquibancada vazia ... sozinho. Ali eu
fiz uma promessa. Prometi ao meu amigo que trataria todos os meus amigos com a
mesma dedicação que ele cuidou de mim. Que eu faria pelos outros tudo o que eu
pudesse e estivesse ao meu alcance, visando assim passar em forma de
exemplo aquilo que ele de maneira tão
especial me ensinou. O tempo se tornou importante em minha vida e a cada dia eu
aprendi que devemos sempre agradecer mais e expor de forma bem clara todos os
sentimos bons que temos por aqueles que nos cercam.
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