quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

AS DELÍCIAS DO FIM DE ANO MINEIRO


Chegou o fim do ano e com eles as apetitosas festas em família. Momentos únicos de celebração e convívio. Por ser mineiro acredito ser ainda mais privilegiado nessas ocasiões, afinal qualquer evento numa boa família mineira é motivo para confraternizar na cozinha. Festas de fim de ano são os maiores exemplos. Mas sejamos honestos, o que seria de toda essa comida se não fosse a família e a convivência? 

Meu pai é sempre o responsável por elaborar um dos principais pratos das festividades. Como todo bom mineirinho as escolhas culinárias são sempre lights!! Uma feijoada aqui, uma leitoa ali, um pernilzinho acolá, tudo acompanhado dos preciosos petiscos: linguicinha, chouriço, torresmo, mandioquinha frita, polenta frita, bolinho de arroz e pastéis. Como podem verificar nada que sobrecarregue muito o fígado ou o pâncreas, somente alimentos de fácil digestão. Alias a digestão é tão fácil que o corpo fica com preguiça. Basta acabar o almoço e todo mundo procura um cantinho sossegado para tirar um cochilo.

Mineiro bom bebe pinga. Não gostamos dessas bebidinhas importadas. Nosso trem (trem é qualquer coisa para o mineiro, serve para tudo!) é com a tradicional pinga ... que em outros estados ganhou o nome grande de cachaça. Mas não venham com pingas industrializadas, gostamos mesmo das artesanais, tiradas dos destiladores antigos de cobre, onde o gotejar contínuo dá vazão ao líquido que será envelhecido em tonéis de madeira boa como o carvalho. Nossas deliciosas pingas !! Como esse trem é forte, tomamos junto uma cerveja ou outra para ajudar a matar a sede. Gostamos tanto das pingas que quase todos os pratos citados no parágrafo anterior levam a danada na sua confecção. Pururucamos a pele da leitoa com pinga ... temperamos a feijoada com um cadim (para quem não conhece as medidas mineiras, cadim é menos que um pouquim e mais que um cadiquim uai!!), uma dose no pernil para entranhar na carne e por aí vai.


Evento assim tem que ter nossos doces e se tem uma coisa gostosa em minha terra são os doces caseiros. Cada família desenvolve uma especialidade e nada dessas sobremesas regadas a coisas artificiais. Faça qualquer trem e coloque creme de leite, você irá perceber que o prato melhora bem. Cozinha mineira não leva esse trem não. Lá tem muito ovo, muito leite e muito açúcar. É quindão, rabanada, ambrosia caramelada, doce de leite, de mamão, de figo, de abacaxi, de goiaba de banana e claro, aquele queijinho minas para acompanhar. 


Entre a refeição e a sobremesa há o convívio com a família. Aquele povo todo sentado ao redor da mesa grande de madeira. Aquele mundo de braços passando por cima das comidas, aquele falatório danado e normalmente os avós sentados na cabeceira apreciando toda a confusão. É nesse momento que ouvimos as célebres frases repetidas todos os anos. Aquela tia gorda que olha para o sobrinho, aperta as bochechas do coitado e delicadamente diz: “Menino como ocê cresceu?!”. Ou ainda a tia encalhada que pergunta: “Já arrumou namorada?”. Tem também as tias que já viraram avós e perguntam aos recém casados: “E aí, quando é que vão ter filhos? O Fulano já fez o dele, ceis tão ficando pra trás. Os primos tem que crescer juntos!”. Mas se você é um estudante de vestibular, menino se prepare, é um tal de: “Se vai fazer medicina estuda muito mesmo que quero fazer plástica de graça.” Ou “Escolhe direitinho o que você vai fazer senão pode acontecer como o ciclano que tá desempregado.” Ou pior ainda: “Ihhh menino, não esquenta se tomar pau não, é normal, uma hora ocê passa.”


Passado o momento gula temos o momento Amigo Oculto. Tradição nas casas para facilitar a distribuição de presentes e economizar o bolso dos pais. Aí tudo vira festa. Tem sempre um tio que já tomou um pouco mais de pinga e não consegue nem lembrar para quem vai dar o presente. Tem sempre um presente que ninguém quer. Tem sempre uma pessoa que não vai e atrapalha o processo. Tem sempre aquela marmelada (marmelada para quem não conhece o vocabulário mineiro é quando de alguma forma a regra é burlada em favor de outro.) e percebemos que algumas pessoas sempre saem com os mesmos nomes. Tem sempre aquele presente que recebemos e que não conseguimos trocar. Mas no fim todos sorrindo e satisfeitos com a bagunça.


Na minha família faltou a presença da vovó. A véia faz uma falta danada. Era ela que orquestrava toda essa confusão. Era ela que executava com maestria os melhores doces que eu já comi. Era ela que acordava rindo e dormia rindo por ter toda a família por perto. Era ela que reclamava da carne dura e comia de sobremesa um enorme quebra-queixo (esse doce é o pé de moleque feito com rapadura, difícil ter que explicar tudo prôceis.) e ria de sua travessura. Sim faltou a véia e faltou o vô, que já partiu faz mais de ano, mas a família continua lá, linda, forte e reunida para celebrar não a passagem de outro ano ou a importância do Natal, mas a união de uma família louca, linda, mineira e que tem um orgulho danado de grande de ser o que é !!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

ENGARRAFADO COM PRAZER



Quem mora no Rio, São Paulo ou qualquer grande cidade brasileira já deve ter tido o enorme prazer de ficar engarrafado. É praticamente um hobbie que nós, pessoas modernas das capitais, adquirimos e viciamos. Para você que não sabe o prazer que esse momento pode gerar em sua vida, vou descrevê-lo na intenção de dividir toda a ternura desse momento.

É sexta-feira e você resolve sair com sua esposa para visitar a sua família ou a dela localizados em outra cidade. Volta do trabalho um pouco mais cedo de metrô e, depois de colocar todas as inúmeras malas dela no carro, conforme o texto que eu mesmo publiquei aqui, você se prepara para partir rumo à estrada. Nesse instante, começa a atuar a divina coincidência. A sensação que tenho no momento em que deixo minha garagem é a de que todas as famílias da cidade resolveram fazer o mesmo que eu e na mesma hora. Dessa forma, terei o enorme prazer da companhia praticamente por toda a viagem.


Basta sair de casa que minha sensação de previsibilidade se torna real. Todos os carros estão nas ruas. Eu abro um delicioso sorriso, olho com ternura para minha esposa e com os olhos cheios de lágrimas emocionadas eu a digo: “Amor ... nada poderia ser mais prazeroso do que passar horas trancado neste carro com você, com direito a um clima sensacional e motoristas educados me propiciando toda a atenção e o carinho de que preciso para chegar tranquilo em nosso destino.”

A harmonia desse momento começa com a educação e a paciência de todos os motoristas ao meu redor. Sempre cavalheiros (ou seriam cavaleiros?), cedem espaço, dão passagem, usam adequadamente a seta do carro e só fazem uso da buzina quando extremamente necessário. As motos seguem em filas indianas, cuidadosas e em velocidades baixas, respeitando o fluxo dos carros e o silêncio que eles promovem. Há nesse meio aquele que se destaca por toda sua doçura e sua meiguice: os motoristas de ônibus. Treinados nas escolas inglesas de boas maneiras, esses gentis senhores são praticamente Ladies no trânsito. Atentos aos outros e com extrema sutileza esses profissionais e seus sorrisos melhoram o humor de qualquer pessoa que se envolva em um engarrafamento. Capazes de ouvir um espirro a quilômetros só para dizer “saúde”, não há profissional mais capacitado do que o motorista de  ônibus no Rio de Janeiro. Melhor do que encontrá-los no trânsito é ter o prazer do convívio deles durante sua viagem, por isso as passagens são tão disputadas. 

Outro bônus dos engarrafamentos é a oportunidade de apreciar as delícias da culinária brasileira. Enquanto aguardamos calmamente o deslocamento dos veículos à frente, temos o prazer de degustar deliciosos quitutes vendidos no conforto da janela de seu automóvel. Crianças e adolescentes bem vestidos e educados nos oferecem guloseimas típicas de cada região por onde passamos e para beber água mineral Perrier estupidamente gelada. 

Claro que existem problemas no engarrafamento, mas nem de longe eles chegam a incomodar. Quando um carro, por algum infortúnio, é obrigado a parar, todos os demais veículos se mobilizam para que ele possa se deslocar-se para o acostamento que se encontra sempre livre e, assim, aguardar poucos minutos até que um atencioso reboque venha socorrer-lhe.  Raríssimas são as vezes em que um acidente ocorre, normalmente provocado por um motorista um pouco descuidado devido às distrações que todo esse espetáculo promove. Quando  isso acontece, arranca risos de toda a plateia. Em pouco tempo tudo se resolve, os carros voltam para seus lugares, o motorista descuidado pede desculpas a todos os envolvidos, recebe os aplausos e volta para o interior aconchegante de seu carro.

No fim de todo esse percurso, as famílias se divertiram, os motoristas relaxaram e o tempo gasto na viagem passa tão rápido que nem percebemos; torcemos para que na volta tudo se repita. Portanto se você ainda não pegou um engarrafamento, está na hora de desfrutar esse momento.